sábado, 14 de março de 2009

Km 66

Saudade que eu tenho destas estradas de verão,
destes rastros de violência escondidos
pelas barbichas naturais, que eu pensava
em rouba-las e guarda-las com carinho.
Embriagava-me olhar para as curvas incessantes,
a estrada perfeitamente estreita e plana
o verde maravilhoso, e o céu dum azul complementar.
Ah, se meus olhos fotografassem!
Era como um canto barítono, os finais de tarde,
se acentuavam e ao mesmo tempo
perdiam vagarosamente todo o brilho.
O sol se esvaia de uma hora para a outra
e a lua se enchia num amarelado surpreendente.
Era tudo quase perfeito, não fossem os sonoros poluidores
e os cafés amargos de saudade.
Os sábados chuvosos eram preenchidos
os ensolarados, passavam despercebidos
aos olhos de quem dormia embalado no meio da viagem
e, aos que escutavam a bela música que da estrada brotava
nem sabiam, que o Réquiem de Mozart,
hoje é feito para os vivos, e não mais para os mortos.
Boquiabertos os homens que negavam covardia
paravam diante do horror que na estrada florescia.
No km 66 arrebentaram-se as cordas do viver
e morreram sufocadas todas as barbichas...

O sangue escorria, e a vida ficava só por um nó cego,
os olhos marejavam, fechavam e abriam
as lágrimas escorriam, mais de medo do que de dor
o desespero era tamanho e o grito era vazio,
o dia era sem cor, a vontade sem ardor,
o canto era fraco e tudo ficou frio.
A morte daquela curva deixou para sempre
a estrada marcada, e nenhuma mais passada
por lá eu esqueci. Todas marcaram o começo da saudade,
e do prazer que eu tinha de ver as velhas barbichas
cobrindo por inteiro a escuridão.
Era assim que eu viajava naquela estrada.
Por dentro e por fora.
Por completo.

2 comentários:

  1. É inimaginável a onda de sentimentos que ressurgem com essa magnifíca narração. É assim que se viaja. Por dentro e por fora. Por completo.

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  2. "Ah, se meus olhos fotografassem!"
    Meu Deus... quantas vezes pensei nisso, sem nem perceber!!!!!

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